Caros associados e amigos
Na próxima sexta-feira, dia 18, entre as 19H30 e as 23H00, terão oportunidade de ver na vossa Oficina os trabalhos que o nosso associado João Sebastian recentemente expôs na galeria El Pep. Trata-se de um conjunto de experiências de impressão tipográfica a partir de materiais improváveis. Uma oportunidade de ver obra impressa que concilia criatividade e uma irrepreensível técnica, para além de esclarecer os seus segredos junto do criador.
Sobre o João e o seu trabalho:
Calhou, há mais de década e meia atrás, gozar de tempo em
quantidade para cogitar um título de que na altura me orgulhei. Inclinado a
quantificar a putativa importância da criação artística na minha existência,
que se repartia entre o ofício de pedagogo – que me enchia o frigorífico – e a
ilustração e produção de pasquins – que preenchiam o restante tempo disponível
– pareceu-me que, não querendo ser artista plástico nem sequer artista a tempo
inteiro (essa abominação), eu seria operário gráfico. Hoje não escondo a
vergonha que sinto por tal impulso arrogante. Operário gráfico? Se é verdade
que operário é o que faz e gráfica era a forma de expressão que
escolhera, juntar as duas palavras num conceito tão quixotesco era demais. Pura
e desbragada mania. Bem me tentei convencer, e seduzir outros, da virtude de
querer juntar o saber e o criar numa abordagem que nos afastasse dos artistas
pedantes e nos aproximasse dos criadores populares e braçais que enriquecem as
oficinas gráficas com a sua arte. Ora a verdade é que eu não era nada disso e –
caramba! – não conhecia sequer indivíduo que me servisse de modelo a tamanha
fantasia.
Pois uns anos mais tarde conheci-o: o João Sebastian. Passo
a explicar: se a arte pode ser ofício, então o Sebastian sempre foi artista
(mas não o admite, hélas!). Gráfico
de inclinação e profissão, e para sempre tipógrafo,
a criação sai-lhe de forma tão óbvia como da pereira sai a pera. Sem esforço e
sem espanto. Conhece de cor as prensas e os prelos, os rolos e as entrelinhas e
acarinha-os, pois são o seu veículo expressivo. Ultrapassa a barreira da
técnica com novas invenções das quais não prescinde. Tintar e prensar o
caracter metálico comove-o, mas não o limita. Encontrar no chão ou no armário
um novo material para lhe servir de matriz é aquilo que o move. E desta labuta
do tipógrafo de todas as coisas sai o seu trabalho: filigranas, meandros,
padrões, texturas, sensações visuais e colóricas criadas a partir de materiais
que outros descartam como lixo. E, deveras espantoso, tudo lhe sai bem, ou não
sai. O João também escreve assim, sem aprumo sintáctico, mas com a firmeza e o
perfeccionismo de quem se sente obrigado a caligrafar o que pensa, para não
condenar a ideia ao limbo.
O João é artista no sentido clássico, mas também no sentido
vernáculo: sabe fazer e sabe pensar, logo sabe criar. Munido da vontade e do
mester, tudo lhe sai como gesto decidido, por vezes moroso, mas sempre
brilhante. E a invenção não é nele capricho, mas necessidade. E é também o
gosto pelo saber fazer que o empurra para aí, para além da sua natureza
irrequieta.
Bruno Munari afirmou que é necessário demolir o mito do
artista-deus que produz obras-primas apenas para os mais inteligentes, e
fazê-lo descer do pedestal. Ora para conhecer artistas do gabarito do João, não
é necessário levantar os olhos, basta olhar em redor. O artista autêntico não
separa a vida da arte, e no João a arte é a extensão natural da vida.
José Feitor